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terça-feira, janeiro 23, 2024

O café está aberto anda,
os mortos estão lá sentados
em cadeiras acorrentadas, bebendo vinho
À nossa custa. Há algumas casas –
Retiradas do mar – a ver.
Um pedinte recolhe moedas e
atira -as aos mortos como um sacrifício.
Do bar, estendendo-se até ao mar,
há uma estreita faixa de luz
pela qual os mortos se afastam,
sobre a água. Permanecemos, ali sentados,
até o dia esfregar os olhos.

 

Michael Krüger
 “Deus escreveu demasiado”, edição do lado esquerdo
Tradução de Francisco José Craveiro de Carvalho

 

 

 

laurapannack44

quinta-feira, janeiro 18, 2024

Este copo de água cheio de angústia
bebido no jardim tranquilo
árvores em flor
aragem, doce, leve, ondulante
mas nada faz esquecer esse fogo
lento e profundo
magma gerador de estrelas
oceano dos céus.

Livre nasce uma ilha
batida pelos ventos salgados que a embalam
e às suas praias irão dar os restos de aventuras
de meninos feitos piratas
remos partidos, bonecos destroçados
caixas hermeticamente fechadas
guardando sentimentos de caligrafia desenhada
e desenhos já descoloridos
e um pedaço de seda
embrulhado num relógio sem tempo para te amar.




Henrique Risques Pereira




lisesarfati

quinta-feira, novembro 23, 2023

Sempre


Sonhei em estar sozinha
Porque havia sempre
muita gente à minha volta.
Só tu eras eu.
Só tu renunciavas ao plural,
Ao múltiplo de dois,
Só tu sabias construir uma solidão
Em que havia espaço para nós os dois.



Ana Blandiana
(tradução maria sousa)

 

samuel-bradley3

quinta-feira, dezembro 22, 2022

Debaixo do colchão tenho guardado
o coração mais limpo desta terra
como um peixe lavado pela água
da chuva que me alaga interiormente
Acordo cada dia com um corpo
que não aquele com que me deitei
e nunca sei ao certo se sou hoje
o projecto ou memória do que fui
Abraço os braços fortes mas exactos
que à noite me levaram onde estou
e, bebendo café, leio nas folhas
das árvores do parque o tempo que fará
Depois irei ali além das pontes
vender, comprar, trocar, a vida toda acesa;
mas com cuidado, para não ferir
as minhas mãos astutas de princesa.




António Franco Alexandre

alibosworth-20081213-01-28

domingo, janeiro 03, 2021

 De modo diferente, com estranheza intensa,
a paixão deslumbra-se como uma passagem
sobre as criaturas. Vento em estendais de roupa,
luzes que se acendem nas rotundas, danças nupciais
de insectos nos arbustos – assim se atravessa
a expansão do mundo. Uma atenção não prende
quando se respira com este esplendor. A solidão
sossega-nos: fica-se sagrado por um olhar facílimo
e o pensamento move-se para conhecer estames,
corolas, pares de asas. O amor nada perturba:
toca-se num corpo e não se quebra, desce-se a um nome
e a voz brilha. O tempo oferece-nos presentes.



Carlos Poças Falcão

 

 

ANNETTE-PEHRSSON222

sexta-feira, dezembro 11, 2020

 À sua volta vê os seus móveis que, de acordo com os seus gostos e os seus meios, são como os quis para a sua comodidade. E eles exalam em redor o doce conforto familiar, animados como são por todas as suas recordações: já não são coisas mas como que partes íntimas de você mesmo, nas quais pode tocar e sentir aquela que parece ser a realidade tranquila da sua existência. Quer sejam faia, nogueira ou abeto, os seus moveis têm, como as recordações da sua intimidade doméstica, o sabor daquele hálito particular que germina em toda a casa e que dá à nossa vida um odor que se sente mais quando nos falta, isto é, quando se sente um cheiro diferente, mal se entra numa outra casa. 


 Luigi Pirandello  

 

 

olikellet

sexta-feira, outubro 16, 2020

 [sou uma paisagem arrancada de velha à parede] [porque eu era cicatriz. A cicatriz do que então não disse] 

 

 

José Emílio-Nelson

laurapannack41